Parte 3

O Além e a Sobrevivência do Ser




Aditemos uma nota sobre as experiências dos sábios que acima citamos: elas têm tido um alcance considerável e dado lugar a comprovações científicas da mais alta importância. Por exemplo, observando as materializações do Espírito Katie King é que Sir W. Crookes descobriu a matéria radiante. Nestes fenômenos estranhos ele observava a ação da substância em trabalho no ponto de sua transformação em força, em energia.


Foi, pois, de um fato espírita que se originou uma série completa de descobertas, uma revolução no domínio da física e da química.


O grande físico inglês achou meio de tornar visível, no aparelho que veio a chamar-se “ampola de Crookes”, essa matéria radiante, difusa, imponderável, que enche o espaço e nos escapa aos sentidos. Tudo quanto se há desde então verificado nesse terreno não passa de aplicações da descoberta do ilustre sábio: os raios X e a radioatividade dos corpos, por exemplo.


O próprio rádio não é mais do que uma dessas manifestações. Todos os corpos vibram, todos se mantêm num perpétuo estado de radiação; apenas a do rádio é mais forte do que as outras.


Podemos hoje observar a matéria em seus diferentes estados, desde o estado sólido, o mais condensado sob o qual habitualmente a vemos, até ao de completa dissociação em que se torna força e luz.


O ser humano irradia igualmente. Existe nele um foco de energia, donde constantemente emana eflúvios magnéticos e forças que se ativam, que se estendem sob a influência da vontade, chegando a poderem impressionar placas fotográficas. Por semelhante irradiação já o nosso ser penetra no mundo invisível.


Todas essas noções as experiências científicas confirmam. A verificação destes modos de energia, a existência destas formas sutis da matéria fornecem ao mesmo tempo a explicação dos fenômenos espíritas. É aí que os Espíritos haurem as forças de que se servem nas suas manifestações físicas; é desses elementos imponderáveis que se constituem seus envoltórios, seus organismos. Nós mesmos, os humanos, possuímos já nesta vida um corpo sutil, invisível veículo da alma, do qual o corpo físico é a imagem, e que em certos casos se pode concretizar e cair sob a ação dos sentidos.


Já tem sido possível reproduzir-se em chapas fotográficas esse duplo fluídico do homem, centro de forças e de radiações. O coronel de Rochas e o Dr. Barlemont obtiveram, no atelier de Nadar, a fotografia simultânea do corpo de um médium e do seu duplo, momentaneamente separados. 4


Pela existência do corpo fluídico, pelo seu desprendimento durante o sono natural ou provocado é que se explicam as aparições de fantasmas dos vivos e, por extensão, as dos Espíritos dos mortos.


Em muitos casos já se pudera observar que o duplo fluídico de pessoas vivas se destacava, em certas condições, do corpo material, para se mostrar e manifestar a distância. Tais fenômenos são conhecidos pela designação de fatos telepáticos.


Desde então, ficou evidente que, se durante a vida, a forma fluídica tem a possibilidade de agir fora e sem o concurso do corpo, a morte não pode ser o termo de sua atividade.


Eis um caso notável de aparição de um vivo desprendido de sua forma material:


Os grandes jornais de Londres, o Daily News de 17 de maio de 1905, o Evening News, o Daily Express, o Umpire de 14 de maio, referiram-se à aparição, em plena sessão do parlamento, na Câmara dos Comuns, do fantasma de um deputado, o major Sir Carne Rachse, que se achava preso em casa por uma indisposição. Três outros deputados atestam a realidade desta manifestação.


Assim se exprime a respeito Sir Gilbert Parker, membro daquela Câmara, no jornal Umpire de 14 de maio de 1905, do qual os Anais das Ciências Psíquicas de junho do mesmo ano reproduziram a narração:


“Era meu desejo tomar parte no debate, mas esqueceram-se de chamar-me. Dirigindo-me para a minha cadeira, meus olhos deram com Sir Carne Rachse, sentado perto do lugar que habitualmente ocupava. Sabendo eu que ele estivera doente, fiz-lhe um gesto amistoso, dizendo-lhe: ‘Desejo que esteja melhor.’; mas não obtive nenhum sinal de resposta, o que me espantou. Achei-o muito pálido. Estava assentado, tranqüilo, apoiado em uma das mãos; a expressão da fisionomia era impassível e dura. Detive-me um instante refletindo sobre o que convinha fazer; quando me voltei de novo para Sir Carne, ele desaparecera. Pus-me in continenti à sua procura, contando encontrá-lo no vestíbulo. Lá não se achava; ninguém o vira.”


E o jornal acrescenta:


“O próprio Sir Carne não duvida de que tenha realmente aparecido na Câmara, sob a forma do duplo, preocupado como estava com a idéia de comparecer à sessão para dar o seu voto ao governo.”


Temos ainda o testemunho de dois outros deputados ingleses.


No Daily News de 17 de maio de 1905, Sir Arthur Hayter reforça com o seu depoimento o de Sir Gilbert Parker. Diz Sir Hayter que não só viu Sir Carne Rachse como também chamou a atenção de Sir Campbell Bannerman para a presença daquele deputado.


Pelo que toca às aparições de defuntos, já relatamos em outras obras5 as experiências de Sir William Crookes com o Espírito Katie King, as de Aksakof com o de Abdullah e outros.


Relatemos aqui um caso mais recente, que o professor Lombroso, de Turim, conhecido do mundo inteiro pelos seus trabalhos de fisiologia criminalista, refere em seu livro póstumo: Riccerche sui Fenomeni Ipnotici e Spiritici:


Foi em Gênova, no ano de 1902. A médium Eusápia se achava em estado de semi-inconsciência e eu não esperava obter fenômeno sério. Antes da sessão pedira-lhe que deslocasse, em plena luz, um pesado tinteiro de vidro. Ela me respondeu na sua maneira vulgar: “Por que te ocupas com estas ninharias? Sou capaz de fazer muito mais, de dar-te a ver tua mãe. Aí está no que devias pensar!” Impressionado com esta promessa, depois de uma hora de sessão, apoderou-se de mim o mais intenso desejo de a ver executada e a mesa respondeu por três pancadas ao meu pensamento. Vi de repente (estávamos na meia obscuridade de uma luz vermelha) sair do gabinete uma forma de talhe muito pequeno, exatamente como o de minha mãe. (Cumpre se note que a estatura de Eusápia é pelo menos dez centímetros mais alta que a de minha mãe.) O fantasma trazia um véu; deu volta completa à mesa até chegar a mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas que a minha meia surdez não me permitiu escutar. Enquanto, fora de mim, tal a emoção em que me achava, eu lhe suplicava que mas repetisse, ela me disse: Cesare, fio mio! Reconheço que isso não era de seus hábitos. Efetivamente, nascida em Veneza, tinha ela o costume veneziano de me tratar assim: mio fiol! Pouco depois, a pedido meu, afastou por instantes o véu e me deu um beijo.”


Na página 93 da obra citada acima se pode ler que a mãe do autor lhe reapareceu ainda umas vinte vezes no correr das sessões de Eusápia.


A objeção favorita dos incrédulos, no tocante a este gênero de fenômenos, é que eles se produzem na obscuridade, tão favorável aos embustes. Há um tanto de verdade nessa objeção e nós mesmos não temos hesitado em assinalar fraudes escandalosas; mas importa se note que a obscuridade é indispensável às aparições luminosas, as mais freqüentes de todas. A luz exerce uma ação dissolvente sobre os fluidos e grande número de manifestações só na sua ausência se podem dar. Casos, entretanto, há em que certos Espíritos puderam aparecer sob os reflexos da luz fosforada. Outros se desmaterializam em plena luz. Sob os raios de três bicos de gás. viu-se Katie King fundir-se pouco a pouco, dissolver-se e desaparecer.6


A esses testemunhos corre-nos o dever de juntar o nosso, relatando um fato que nos toca pessoalmente.


Durante dez anos nos consagramos a esta ordem de estudos com o auxílio de um médico de Tours, o Dr. Aguzoli, e de um capitão arquivista do 9º Corpo. Por intermédio de um deles, mergulhado em sono magnético, os Invisíveis nos prometiam, havia muito, um caso de materialização. Uma noite, reunidos no gabinete de consulta do nosso amigo, fechadas cuidadosamente as portas, e a luz do dia penetrando ainda bastante pela bandeira da janela para nos ser possível distinguir perfeitamente os menores objetos, ouvimos três pancadas ressoarem em certo ponto da parede. Era o sinal convencionado.


Dirigimos os olhares para aquele lado e vimos surgir da dita parede, onde nenhuma solução de continuidade havia, uma forma humana de talhe mediano. Aparecia de perfil: a espádua e a cabeça se mostraram primeiro, depois, gradualmente, todo o corpo se mostrou. A parte superior se desenhava bem, apresentando nítidos e precisos os contornos. A parte inferior, mais vaporosa, tinha o aspecto de uma massa confusa. A aparição não caminhava, deslizava. Tendo atravessado lentamente a sala, a dois passos de nós, foi enterrar-se e desaparecer na parede oposta, num ponto em que não havia saída alguma. Pudemos contemplá-la durante cerca de três minutos e nossas impressões, confrontadas logo após, se revelaram idênticas.


O coronel francês L. G., hoje general, perdera a filha mais velha, de vinte anos de idade, a quem consagrava terna afeição, por isso que a mocinha, muito séria, renunciava de boa-vontade às diversões em companhia de suas amigas para compartilhar dos trabalhos de seu pai, escritor distinto. Sua morte súbita, fulminante, mergulhou em sombrio desespero o coronel, que me procurou para saber por que meios se poderia comunicar com a morta querida. Mas todas as suas tentativas por intermédio da mesa e da escrita só deram resultados menos que satisfatórios. Pouco a pouco, entretanto, fenômenos de visão se produziram e, a 25 de janeiro de 1904, ele me escrevia:


“Como complemento de minhas cartas anteriores, quero, antes de tudo, consignar aqui, por escrito, o que lhe referi no hotel Nègre-Coste.


“Na mesma noite da sua conferência, achando-me deitado e em completa escuridão, vi primeiramente com a maior nitidez a figura de minha filha querida, como a vejo habitualmente (e acrescento – como continuo a vê-la de modo cada vez mais preciso), isto é, uma figura confusa, de brilhante contorno, com o penteado que lhe era peculiar destacando-se maravilhosamente no alto da cabeça.


“Ora, como essa forma bem-amada estivesse diante de mim, sentindo-me eu perfeitamente acordado e observando-a com a maior atenção de que sou capaz, a aparição se transfigurou e tive então, junto de meu leito, minha filha adorada, tal como nunca a vira melhor enquanto viva: semblante risonho, alegre, tez brilhante de frescura; era de impressionar; dela emanava uma espécie de luminosidade; seu rosto fulgurava, resplandecia.


“Desgraçadamente, isto não durou mais do que cinco a seis segundos, passados os quais divisei novamente a forma confusa, azulada. Só a fisionomia tinha aparência de vida.


“Acrescento que antes observara, perto de meu leito, magnífica estrela azul, de uma luz inimitável, projetando sobre mim um raio luminoso que me enchia literalmente de claridade. Após o nosso regresso para aqui, as manifestações continuaram nestas condições. Todavia, julgo oportuno destacar duas particularidades:


“Há alguns dias, meu sobrinho Roberto estava de guarda. À meia-noite deixou o corpo da guarda para ir buscar alguma coisa no seu aposento. Lá chegando, ouviu uma voz bem conhecida que o chamava distintamente: ‘Roberto! Roberto!’ Ele se encontrava absolutamente só, a porta estava fechada e àquela hora todos no quartel dormiam.


“Acresce que seus camaradas o tratam pelo apelido de família: C..., e nunca pelo primeiro nome. O único que o trata pelo prenome é Amauri, o noivo de minha filha, e esse, no momento, estava deitado no aposento que ocupa em minha casa.


“Voltando ao corpo da guarda, meu sobrinho teve a surpresa de ver um cão, que os soldados recolheram e que se chama “Batalhão”, levantar-se sobre as patas traseiras, apoiar as dianteiras contra a borda de uma cama de campanha e ladrar, com o pêlo eriçado, durante uns dez minutos, fixo o olhar em um só ponto da parede, onde ninguém via coisa alguma.


“Não houve meio de fazê-lo calar-se. Finalmente, ontem à noite, em minha casa, Amauri estava deitado e tinha consigo na cama uma gata, outrora favorita da minha cara Ivone. De repente a mesa de cabeceira recebeu uma pancada tão violenta que a gata saltou da cama. Amauri, que apenas dormitava, abriu os olhos e viu o quarto cheio de luminosidades, de pontos brilhantes, etc.


“Eis a situação em que nos achamos. Tudo isto não deixa lugar a dúvida alguma, a qualquer suspeita. Tudo se passa em nossa casa, sem médium estranho, em família. A maior parte das vezes os fenômenos se produzem espontaneamente.


“Chegar-se-á forçosamente à crença na realidade das manifestações do Além e todo o mundo se admirará um dia de que elas fossem por tão longo tempo desprezadas e até negadas.”


O general L. G. me assinala ainda o seguinte fenômeno:


“O Sr. Contaut, velho amigo de meu pai, nascido como ele no Épinal, donde veio para Périgneux, lugar em que se aposentou no cargo de diretor do registro, me referiu o seguinte fato:


“Um dia, em Épinal, acabava de me deitar, quando de súbito vi aos pés de minha cama o meu amigo Goenry, comandante de engenharia, então muito distante dos Vosges. Estava uniformizado e me olhava tristemente. Tal foi a minha surpresa que exclamei: ‘Como, Goenry, tu aqui!’ Nesse momento ele desapareceu. Fiquei impressionadíssimo. Fui ter com minha mulher e lhe narrei o que acabava de passar-se, acrescentando: ‘Aposto que Goenry morreu.’ No dia seguinte recebi um telegrama comunicando-me a sua morte, que ocorrera exatamente à mesma hora da aparição.


“Ora, o Sr. Contaut é um espírito muito positivo; ignorava toda esta espécie de fenômenos e só me confiou o fato porque eu lhe estivera relatando outros da mesma natureza, passados comigo. Ele me declarou: ‘Jamais me fora possível compreender esse incidente. Que de vezes pensei nele sem conseguir achar-lhe explicação!"


Citemos ainda um caso mais antigo, porém dos mais sugestivos também, em razão dos testemunhos oficiais que o comprovam:


“A 17 de março de 1863, em Paris, no primeiro andar da casa nº 26, rua Pasquier, por detrás da Madalena, a Sra. baronesa de Boilève oferecia um jantar a muitas pessoas, entre as quais se contavam o general Fleury, escudeiro-mor do imperador Napoleão II, o Sr. Devienne, primeiro presidente da Corte de Cassação, o Sr. Delescaux, presidente da Câmara no Tribunal Civil do Sena. Durante o jantar tratou-se sobretudo da expedição ao México, começada havia já um ano. O filho da baronesa, tenente de caçadores a cavalo, Honoré de Boilève, fazia parte da expedição e sua mãe não deixara de perguntar ao general Fleury se o governo tinha notícias dela. Não as tinha. Falta de notícias, boas notícias. O banquete terminou alegremente, conservando-se os convivas à mesa até às 9 horas da noite. A essa hora, Mme. de Boilève se levantou e foi sozinha ao salão para mandar servir o café. Mal entrara, um grito terrível alarmou os convidados. Todos se precipitaram para o salão e encontraram a baronesa desmaiada, estendida no tapete.


“Voltando a si, contou-lhes ela uma história extraordinária. Ao transpor a porta do salão, dera com seu filho Honoré em pé na outra extremidade do aposento, uniformizado, mas sem armas e sem quepe. Tinha o rosto pálido e ensangüentado. Fora tal o espanto da pobre senhora, que pensara morrer. Todos se apressaram em tranqüilizá-la, fazendo-lhe ver que tinha sido joguete de uma alucinação, que sonhara acordada. Sentindo-se ela, porém, inexplicavelmente fraca, chamaram com urgência o médico da família, que era o ilustre Nélaton. Posto ao corrente da estranha aventura, o facultativo prescreveu calmantes e retirou-se. No dia seguinte a baronesa estava fisicamente restabelecida, mas o moral ficara abalado. Daí por diante mandava duas vezes ao dia um portador ao ministério da guerra pedir notícias do tenente.


“Ao cabo de uma semana recebeu a notícia oficial de que a 17 de março de 1863, às 2 horas e 50 minutos da tarde, no assalto de Puebla, Honoré de Boilève caíra morto por uma bala mexicana, que o atingira no olho esquerdo e lhe atravessara a cabeça.


“Três meses mais tarde o Dr. Nélaton transmitiu a seus colegas da Academia uma comunicação do sucedido, escrita pelo punho do primeiro presidente Devienne e assinada por todos os convivas do famoso jantar.” 7


Em seu número de 24 de dezembro de 1905, L’Éclair publicou uma importante declaração do Senhor Montorgueil, redator desse jornal, que então se decidira a falar das experiências de que participara em 1896 ou 1897, em casa do engenheiro Mac-Nob, rua Lepic. Foi necessária a afirmação corajosa do professor Charles Richet sobre a realidade do fantasma da vivenda Cármen para que ele saísse do silêncio em que se mantivera durante dezoito anos.


Muitos cépticos, pouco ao par dessas investigações, ingenuamente supõem que, se se atirassem ao fantasma e o impedissem de mover-se, encontrariam o médium disfarçado.


A seguinte experiência do Sr. Montorgueil responde peremptoriamente a esta hipótese, patenteando-lhe a parvoíce. Vamos sem delongas ao ponto interessante da narrativa.


“Uma noite recebi uma pancada no ombro, uma pancada algum tanto brusca. Passado um instante, notei que me roçava os joelhos uma saia. Segurei-a, mas escapou-me dos dedos.


“O fantasma atirou-se de novo a mim. Senti de repente que me esfregava o rosto com um pano. Acreditei ser um gracejo: agarrei, furioso, a mão que me correra pela face. A cólera, junto a um certo medo, me decuplicava as forças. Pedi em gritos que acendessem as luzes, o que logo foi feito pelo engenheiro.


“Achava-me então de pé e com um dos braços apertava de encontro ao corpo um outro braço, cujo pulso segurava com a mão, que a raiva havia transformado em tenaz. Reinava absoluto silêncio; meus ouvidos não percebiam nenhum ruído de respiração; nem minhas faces lhe sentiam o calor característico. Somente meus pés sapateavam.


“A mão do fantasma tentava, no entanto, fugir da minha. Dava-me a sensação de se estar fundindo entre os meus dedos.

“A luz brilhara de novo: a luta não durara mais de dez segundos.


“Contra mim ninguém; todos estavam nos seus lugares e denotavam mais curiosidade do que ansiedade. É fora de dúvida que se tivesse agarrado por aquela maneira uma pessoa, eu a houvera derrubado, ou, numa luta corpo a corpo, como a em que me vira empenhado, ela só conseguiria atirar-me ao chão, depois que nossas mãos se houvessem separado. Tal pessoa não lograria libertar-se de mim sem um empurrão.


“Meu adversário desaparecera.


“Teria eu sido o joguete de uma alucinação? Existia prova do contrário: ficara-me na mão, arrancado da do fantasma, o pano com que me esfregara o rosto. Era o fichu de uma moça que o escultor trouxera em sua companhia.


“Devo salientar que no momento em que a luz se acendeu de novo e que a mão se desvaneceu, o músico (o médium) caiu de costas sobre o sofá, soltando um grito, e ficou prostrado, como que aniquilado por muitos minutos.


“Posteriormente refleti muitas vezes sobre esse fato. Procurei verificar se não fôramos todos, eu e meus companheiros, mistificados. Nada apurei que confirmasse esta suposição. Um argumento aos meus olhos sobreleva a todos os outros: um ser a quem eu tivesse preso pelo pulso e subjugado com o braço teria podido escapar-se sem barulho, sem queda, sem colisão? Desafio a quem quer que seja que o consiga...”


É de notar-se o contrachoque experimentado pelo médium. Em outras circunstâncias o fato poderia ser-lhe de terríveis conseqüências. Mme. d’Espérance, por efeito de uma aventura da mesma natureza, ficou gravemente enferma durante muitos anos, Daí toda a conveniência em não trabalhar senão com pessoas cuja lealdade se conheça, incapazes de, por estúpidas e inúteis agressões, ferir os médiuns.


As materializações e aparições de Espíritos, já o vimos, se opõem dificuldades que, forçosamente, lhes limitam o número. O mesmo não se dá com certos fenômenos de ordem física e de natureza muito variada, os quais se propagam e se multiplicam cada vez mais em torno de nós.


Vamos examinar sucintamente esses fatos na sua ordem progressiva, do ponto de vista do interesse que apresentam e da certeza que deles resulta no tocante à vida livre do Espírito.


Em primeira linha vem o fenômeno, tão vulgarizado hoje, das casas assombradas. São habitações freqüentadas por Espíritos de ordem inferior, que se entregam a manifestações ruidosas. Pancadas, sons de toda espécie, desde os mais fracos até os mais fortes, abalam os assoalhos, os móveis, as paredes, até mesmo o ar. A louça é tirada do lugar e quebrada; pedras são jogadas de fora para dentro de aposentos.


Os jornais freqüentemente trazem a descrição de fenômenos deste gênero. Mal cessam em um ponto se reproduzem noutros, quer na França, quer no estrangeiro, despertando a atenção pública. Em alguns lugares hão durado meses inteiros, sem que os mais hábeis policiais tenham logrado descobrir uma causa humana para as manifestações. Damos aqui o testemunho de Lombroso a esse respeito. Escreveu ele na Lettura:


“Os casos de habitações mal-assombradas observados na ausência de médiuns, habitações em que, durante anos, se produzem aparições ou ruídos, que coincidem com a narração de mortes trágicas, militam em favor da ação dos mortos. Trata-se muitas vezes de casas desabitadas onde tais fenômenos se dão não raro no curso de muitas gerações e até por séculos.” 8


O Dr. Maxwell, advogado geral na Corte de Apelação de Bordéus, descobriu sentenças de diversos parlamentos, no século XVIII, rescindindo contratos de aluguel por causa de assombramentos. 9


O Journal des Débats, em seu número de agosto de 1912, relata o seguinte:


“O Sr. J. Deuterlander possui em Chicago, 3.375, South Dakley Avenue, uma casa de aluguel. A comissão encarregada de lançar o imposto predial entendeu dever taxar esse importante imóvel tomando por base um aluguel de 12 mil dólares. O Senhor Deuterlander protestou. Longe de lhe dar lucros, a casa só lhe dava aborrecimentos. Encontrava as maiores dificuldades para alugá-la em conseqüência de ser visitada por almas do outro mundo. Uma senhora ainda jovem lá morrera em condições misteriosas, provavelmente assassinada, e desde então os outros locatários são constantemente despertados por gemidos e gritos. Cansados de suportar esse incômodo, entraram a abandonar o prédio uns após outros. Tal a razão por que o Sr. Deuterlander pedia uma diminuição da taxa. A comissão, depois de examinar o caso, deferiu-lhe o pedido, decidindo reduzir de 12 mil para 8 mil dólares a base para a taxação do imóvel. E assim ficou também oficialmente reconhecida a existência dos fantasmas.”


Lembremos ainda os dois casos de assombramento verificados em Florença e em Nápoles e que inseri na minha obra No Invisível (capítulo XVI). Os tribunais, depois de ouvirem numerosas testemunhas, proferiram sentenças nas quais reconhecem a realidade dos fatos e concluem pela rescisão de contratos de arrendamento.


Todos esses fenômenos devemo-los a entidades de ínfima ordem, pois os Espíritos elevados não são os únicos que se manifestam.


Aos Espíritos, de qualquer ordem que sejam, agrada entrar em relação com os homens, desde que encontrem meios. Daí a necessidade de distinguir-se nas manifestações do Além o que vem do alto do que vem de baixo, o que emana dos Espíritos de luz do que é produzido por Espíritos atrasados. Há almas de todos os caracteres e de todos os graus de elevação. Em derredor de nós há mesmo número muito maior das de condição inferior do que das de condição elevada. Aquelas são as produtoras dos fenômenos físicos, das manifestações bulhentas, de tudo quanto é vulgar, manifestações úteis, entretanto, pois que nos trazem o conhecimento de todo um mundo esquecido.


Em minhas obras já citadas, trato longamente dos casos de escrita mediúnica e de escrita direta.


As mensagens obtidas por esses processos denotam grande variedade de estilo e são de valor sensivelmente desigual. Muitas só encerram banalidades; outras, porém, são notáveis pela beleza da forma e elevação do pensamento.


Inseriremos aqui, como exemplo, algumas recentes e inéditas.


O publicista inglês W. H. Stead, morto na catástrofe do Titanic, deu a comunicação seguinte, em 21 de maio de 1912, a Mme. Hervy, num grupo parisiense:


“Caros amigos, uma sombra feliz vem até vós. Desconhecendo-lhe a pessoa, não lhe ignorais, entretanto, o nome, nem a morte trágica no naufrágio do Titanic. Sou Stead. Amigos comuns, entre os quais a duquesa de P..., me trouxeram aqui para que me manifestasse por intermédio de Mme. Hervy, sua amiga. Talvez vos cause admiração que meus Espíritos familiares não me tenham avisado da fatalidade que pesava sobre o Titanic. É que nada pode prevalecer contra o destino, quando irremediável, e eu devia morrer sem que a nenhuma potência humana ou espiritual fosse possível retardar a minha derradeira hora. A agonia do Titanic teve alguma coisa de horrível, mas também de sublime. Houve desesperos loucos e manifestações covardes e brutais do egoísmo humano. Mas, quantos, por outro lado, medindo toda a extensão da coragem, se sentiram maiores diante da morte, mais nobres e mais santos, mais perto de Deus! Saber que se vai morrer na plenitude da vida, na exuberância da força, pela ação dessas potências da Natureza, indomadas sob a aparência da submissão; morrer ao cintilar das estrelas impassíveis; morrer na calma fúnebre do mar gelado, em meio de uma solidão infinita, que angústia para a pobre criatura humana! E que apelo desvairado ela dirige a esse Deus, cujo poder repentinamente descobre!... Oh! as preces daquela noite, as preces, os desprendimentos, as consciências a se iluminarem por súbitos relâmpagos e a fé a se elevar nos corações por entre as harmonias do belo cântico: ‘Mais perto de ti, meu Deus!’


“Agonia de centenas de seres, sim, mas agonia que para muitos era a aurora de um novo dia. Há, para os que viveram, pensaram, sofreram, como também para os que muito gozaram das falazes alegrias que a fortuna dispensa às suas vítimas, um alívio interior e como que um arroubo de esperança, ao reconhecerem que dentro de alguns instantes tudo estará acabado. A alma freme na carne e a subjuga, malgrado os sobressaltos inconscientes da animalidade.


“E quantos dentre nós, proferindo as palavras do cântico: ‘Mais perto de ti, meu Deus!’ se sentiram bem perto do Ser inefável que nos envolve com a sua onipotente serenidade!


“Pelo que me toca, vi, cheio de estranha doçura, aproximar-se a morte, sentindo-me amparado pelos meus amigos invisíveis, penetrado de um misterioso magnetismo que galvanizava os que iam morrer e que tirava à morte todo o horror. Os que morreram sofreram pouco, menos do que os que sobreviveram. Os escolhidos já estavam a meio no mundo espiritual, onde em tudo rebrilha uma vida etérea. A maior amargura não era a deles, mas a dos que, presos à matéria, enchiam os barcos de socorro, que os levavam para continuarem nesse mundo a peregrinação da dor, de que ainda se não haviam libertado.”


W. Stead.